I COLETÂNEA POÉTICA DA SOCIEDADE DE CULTURA LATINA DO BRASIL construindo pontes. Dilercy Aragão Adler (Organizadora). São Luís: Academia Ludovicense de Letras – ALI, 2018. 298 p. ISBN 978-85-68280-12-6 No 10 353
DIANTE DO ESPELHO
Olá, amigo espelho
Sei que julgas
A tirar pelas minhas rugas
Que estou velho e em desespero.
Eis que tu não me vês criança
E achas até que viver me cansa
Mas nem imaginas tu
Que detrás desta pança
Exibida pelo meu corpo nu
Respira um sujeito com vigor
Malino, esperto e buliçoso
Que corre, brinca e faz buchicho
E que pele vida só tem amor
A enfrentar meu rosto com sorriso.
Amigo espelho, confesso
Mesmo semimorto, moribundo
Com o meu olhar bem fundo
Que meterei neste céu profundo
A cor azul mais anil
E deixarei meu riso impresso
Como nunca antes se viu.
Carrego dentro de mim
Minha melhor criança
Não sei quando terei meu fim
Será ela minha maior herança.
INSÔNIA
É quando chega a madrugada
Que a mente se abre ao pensamento
Como criança amamentada
Se farta do grande alimento
É na calada da rua fria
Sorvido pela ocasião
Que o gatuno age com maestria
E a dama vende uma ilusão.
É no pesar da noite rainha
que revoam os piores lamentos
A penitência ri sozinha
E açoita os arrependimentos.
E no ar do céu escurecido
Que acontece dura a perfídia
Pela sombra corre fugido
Que agiu com tamanha insídia.
E no ventila de uma brisa
Retinta, a encobrir malfazejos
Que se homizia quem mais precisa
Esquivar-se de maus desejos.
E é quando não há mais ninguém
Que se revela insano o ser
Cuja alma vende a um vintém
E o corpo entrega a se perder.
INSÔNIA 2
Vem a noite, essa prostituta
Com sua insônia seduzente
Derruba-me por sobre a cama
E a ela me rendo impotente.
Mas me acomete uma tontura
E o teto começa a girar
Ou eu que giro de gastura?
E estou mesmo nesta lugar?
Agora estou num redemoinho
Que me arremessa contra o centro
Subo, desço, sou folha caindo
Despejado num vazio cesto.
Onde pousei não sou sozinho
Há folhas verdes, como eu
Sim, e tão fracas quanto eu
Mas tão ingênuas como eu
Que o tempo foi e nos esqueceu
E ficamos pelo caminho
Esmolando cada minuto
Para viver o que é futuro.
Sim, folhas à beira da estrada
A implorar por uma carona
A agir com o criança chorona
A fazer proposta cafona
Tudo por mais tempo nessa onda
Que vai rebentara alguma hora
E varrer tudo que existiu
Até mesmo a folha que caiu.
Ejetado do redemoinho
Agora o teto se aquietou
Não há ninguém, estou sozinho
A insônia quase me arruinou
Não sendo ela, o tempo o fará
Pois não sou eu quem o domina
Tempo! Tempo! Bicho vulgar!
Me escorando por cada esquina.
Dando pra me arrebatar.
URBANO
Enquanto aguardo a fila caminhar
Passam carros, motos e construções
Obreiros ruminam sob plúmbeo ar
Tomo tento e vejo o céu de aviões.
No amargo da rua escura e cinzenta
Respira um asfalto que é muito só
Em meio ao urbano que o homem inventa
Não tem espaço o amor, curtido a pó.
Que essa atmosfera fria e tão pesada
Não faça um pintor chamá-la de amada
Para ousar deitar na tela um pincel.
Que esse concreto tão vil e ingrato
Não seduza nenhum poeta ao distrato
De rimá-lo em pedaço de papel.
*
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Página publicada em março de 2025.